Vou contar a história de uma menina que sentiu uma perda que foi como um vento frio que atravessava sua casa antes mesmo de sua quase festa de debutante, congelando cada canto com uma ausência imensa.
Sua mãe, a matriarca da família, era mais que professora, era uma guia de vida. Com doçura e paciência, ensinara a ela e à irmã sobre harmonia e gentileza, sobre o valor dos pequenos gestos. Agora, essas lembranças tomavam forma com a voz calma da mãe ainda parecia ecoar nos livros que leram juntas, com seu tom suave transformava qualquer leitura em música, e sua presença pairava como uma brisa que a envolvia nos momentos mais silenciosos.
Ela revivia cada detalhe dos dias compartilhados: o café da manhã feito com capricho, a organização meticulosa da casa, as caminhadas no parque onde a mãe explicava as plantas e os ciclos da natureza, sempre mencionando que “cada coisa no mundo tem seu lugar e propósito”. Mas agora, a menina sentia que esse propósito parecia ter sido arrancado de suas mãos. Mesmo assim, com o tempo, a dor foi mudando de forma, transformando-se numa saudade quase doce, como uma memória viva, tecida dentro de cada valor que a mãe plantara em seu coração.
E, em meio a essa saudade, a jovem começou a notar o pai, um homem rude, porém honesto, que também sentia a perda da esposa de um modo sombrio e silencioso. Ele agora tinha o desafio de criar as duas meninas sozinho. Sem a suavidade da mãe, ele se dedicava a elas de uma maneira desajeitada, mas sincera. Nos gestos simples e cuidadosos do dia a dia, uma comida sem jeito, mas bem-intencionada; um olhar atento enquanto saíam; um afago tímido no final do dia, ela percebeu que ele também se esforçava para mantê-las seguras.
Cada dia que passava, a menina via no pai uma nova faceta, uma mistura de força e vulnerabilidade que não conhecia antes. Entre poucas palavras, os dois criavam uma conexão de afeto silencioso, tecida com gestos e compreensões que só eles entendiam. E ela começava a perceber que, embora de maneiras distintas, ambos os pais lhe ensinavam a enfrentar o mundo a mãe com ternura e o pai com resiliência.
Mas algo inesperado aconteceu em uma noite comum. Ao abrir uma velha gaveta no quarto da mãe, buscando um antigo colar, ela encontrou uma carta, cuidadosamente dobrada, com uma caligrafia que não reconhecia. No envelope, havia o nome dela e da irmã, com uma data escrita um ano antes da morte da mãe. Ao abrir a carta, as palavras a golpearam com uma intensidade que ela não previa:
"Minhas amadas filhas, sei que um dia vocês terão que enfrentar o mundo sem mim. Sei que seu pai vai cuidar de vocês com tudo o que ele tem, mas também sei que ele guarda segredos que um dia vocês precisarão conhecer. Confio que estarão prontas para entender que o amor e o passado de cada um são feitos de camadas. Com o tempo, tudo se revelará. Amem, sejam gentis, e nunca percam a bondade que vivem em seus corações."
As mãos daquela doce menina tremiam enquanto lia. A mãe, tão doce e cuidadosa, parecia saber de algo que ia além de sua presença. Um segredo escondido, um passado que aguardava ser revelado. As palavras ficaram gravadas em sua mente, dando-lhe a estranha sensação de que havia uma história não contada à espera, uma verdade oculta entre o amor e a dor que seu pai também carregava.
E agora, a menina sabia que sua jornada não terminava na saudade. Ela se via diante de um novo mistério, algo que o tempo e a coragem talvez lhe revelassem e que poderia mudar para sempre a imagem que tinha de sua família.
Todo escritor, de certa forma, é um observador do mundo ao seu redor. Ele não apenas registra os acontecimentos e comportamentos das pessoas, mas os reflete e transforma em algo mais profundo, traduzindo as sutilezas do cotidiano em palavras que possuem vida própria. É como se o escritor fosse um espelho da sociedade, refletindo, porém, com uma clareza que vai além da superfície. Ele aprende com o que vê, ouve e sente, e suas palavras ganham força e autenticidade à medida que absorvem essas experiências. Cada frase que escreve é um reflexo de seu olhar atento ao mundo, um aprendizado constante que só se concretiza através da escrita. De tudo que observa e escreve, o escritor tira uma lição. Cada situação, cada pessoa, cada ambiente é uma oportunidade para compreender algo novo sobre o mundo e sobre si mesmo. E a lição do texto que acabamos de ler é sobre a força que encontramos em meio à perda e o valor dos laços familiares, mesmo quando os envolvidos carregam segredos e mistérios.
A história mostra como o amor dos pais se manifesta de formas diferentes e como cada expressão de cuidado, seja na ternura da mãe ou na firmeza silenciosa do pai que procuram oferecer algo valioso para o nosso crescimento como filhos.
Outro aprendizado importante é que as pessoas que amamos podem ter segredos ou partes de suas vidas que desconhecemos. No caso da mãe, a carta revela um amor atencioso e protetor que vai além de sua presença, sugerindo que o amor verdadeiro é capaz de guiar e ensinar mesmo depois da partida.
A história nos ensina, enfim, a sermos gentis, a valorizar o que cada pessoa representa em nossa vida e a reconhecer que o passado pode conter segredos que exigem compreensão, maturidade e, acima de tudo, o mesmo amor com que recebemos os ensinamentos do presente.