Antonio Souto
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O som das sementes
Esta história é de uma pessoa que sempre acreditou que a música era capaz de plantar o bem, como uma semente que, após ser plantada, germina em qualquer lugar. Aos sessenta anos de idade, sua vida se concentrava em pequenos atos de bondade. Era uma mulher de alma leve, com um sorriso sereno e um olhar brilhante característico de quem conhece a verdadeira essência da vida. Para ela, a música era mais do que notas e melodias; era uma maneira de se conectar com o mundo, de expressar o que o coração não conseguia traduzir em palavras.
Lucas, um menino de seis anos, era neto postiço da jovem senhora. Ele era, na verdade, o filho do filho do seu amado que teve antes dela  aparecer em sua vida. Eles residiam nas proximidades do local onde Lucas residia e, sempre que podiam, estavam presentes em sua residência para se divertir com diversas atividades.  Ela  o acolheu como se fosse seu próprio neto, e, com o decorrer do tempo, os dois desenvolveram um vínculo especial.
Lucas, ao visitar a avó, que era carinhosamente chamada de Li, percebeu o violão encostado em um canto da sala. Era um instrumento simples, mas com uma boa aparência, como se cada corda tivesse sido afinada com cuidado. Ele solicitou à avó a oportunidade de aprender a tocar, atraído pelo som que aquelas cordas poderiam produzir.
- "Claro, meu querido", respondeu sorrindo. “Contudo, aprender a tocar é tão importante quanto cuidar de uma planta. É necessário ter paciência, atenção e amor.”
A primeira aula foi uma surpresa. Li, com sua sabedoria e jeito doce, transformou o violão num objeto mágico.
- "Cada corda é como um animal diferente", disse ela, "e é preciso aprender a cuidar de cada um para que eles cantem para você".
Lucas demonstrou surpresa, mas aceitou o desafio. Aos poucos, com seus dedinhos miúdos, adquiriu a habilidade de aprender os primeiros acordes. No início, tudo parecia difícil e as notas pareciam distorcidas. Li, com a sua infinita paciência, sempre encontrava uma maneira de incentivá-lo.
- "Lucas, lembre-se de que o que é relevante não é a perfeição, mas sim o amor que coloca em cada nota.” [
As semanas se passaram e Lucas foi aperfeiçoando-se. Li contava  histórias de sua juventude, de como seu pai a ensinara a tocar o violão e de como a música a ajudou a superar dificuldades. Essas histórias despertaram o interesse de Lucas, que começava a compreender que o violão era, além de um instrumento musical, um legado, uma forma de ligação entre o passado e o presente.
Li e Lucas se sentaram na varanda para mais uma aula. O vento soprava suavemente, brincando com os cabelos de Lucas, que agora já conseguia tocar alguns acordes com mais clareza.
- "Vamos tentar algo diferente hoje, Lucas", disse Li. "Quero que você sinta o que está sentindo, sem se preocupar com as notas exatas. Deixe o seu coração falar. "
Lucas fechou os olhos e começou a dedilhar o instrumento musical. As notas iniciais eram hesitantes, mas logo se transformaram em uma melodia suave, que parecia brotar da sua alma. Li, sentada ao lado dele, sentiu as lágrimas brotar. A melodia, embora simples e pura, despertava um sentimento profundo dentro dela. Não apenas as notas impressionavam, mas também o fato de Lucas ter crescido e assimilado cada ensinamento com tanto carinho.
Ao finalizar Lucas, abriu os olhos e viu as lágrimas escorrendo pelo rosto de Li.
- "Vovó, porque está chorando?", perguntou, preocupado.
- "Não são lágrimas de tristeza, meu querido", disse ela, enxugando os olhos. "São lágrimas de alegria. Você tocou com o coração e isso é o mais belo de tudo. "
Lucas ficou aliviado. Para ele, ver Li feliz era o presente mais importante. Ele não tinha consciência, mas naquele momento havia plantado uma semente de esperança e realização.
Com o decorrer dos anos, Li deixou de estar presente, mas, independentemente de onde esteja, certamente continuará tocando seu violão e Lucas se lembrará sempre das lições que Li ensinou com tanto carinho. Em uma apresentação escolar, quando ainda era adolescente, ele compôs uma canção para ela.
- "Essa música é dedicada à pessoa que me ensinou a plantar o bem", disse ele antes de começar a tocar. "Essa pessoa não está mais entre nós, a minha avó Li."
Quando ouviram aquelas palavras, seus pais sentiram o coração pulsar de alegria. Ele sabia que, mesmo após sua morte, o filho ainda guardava na memória o carinho que sentia por aquela avó tão especial.
O som das sementes que Li plantou com tanto cuidado ressoaria para sempre, em cada acorde tocado por Lucas, em cada coração tocado com sua música.
Antonio Souto
Enviado por Antonio Souto em 05/08/2024
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